Assim, com poesia, clareza e muita verdade, a jornalista Daniela Buono conta o parto normal com que teve sua filha. Apesar da beleza, o tom é quase de denúncia. Um alerta contra as violências do sistema hospitalar na hora tão sagrada do parto.
Sou mãe há mais de um ano e 'conquistei' meu parto normal. Foi um momento importantíssimo em minha vida e hoje estou convicta de que é preciso re-significar o nascimento do Brasil, porque há muita violência imposta ao momento do nascimento. São violências desnecessárias, vãs, vis.
É preciso respeitar o ritmo natural e o simbolismo transformador do nascimento! E, definitivamente, isso não acontece aqui no Brasil. Nem entre ricos, nem entre pobres.
Quando um bebê está pronto para deixar o útero, dá sinais de que quer sair, e o corpo da mãe começa um trabalho orgânico e intenso de expulsão da nova vida.
Como todo mamífero, a mulher precisa procurar um local seguro e calmo, um canto onde possa relaxar para abrir lentamente o colo de seu útero. A consciência e a linguagem são funções secundárias. As rédeas precisam ser tomadas pela parte do cérebro que rege nossos instintos primordiais, como a fome e o desejo sexual.
O silêncio, a paz e a paciência são principais companheiros da mulher em trabalho de parto. O tempo também há de se aliar a ela, sem pressões. Ela tem direito ao tempo que for para deixar seu útero contrair, contrair, contrair até conseguir levar o bebê ao canal vaginal.
A tensão, a excitação e a ansiedade promovem a produção de adrenalina, substância de alarme que o cérebro espalha pelo sangue para que os órgãos se prontifiquem frente ao perigo. A adrenalina inibe a ação da ocitocina, outra substância, conhecida como hormônio do amor e do prazer. Além de agradáveis sensações, como o relaxamento nos intervalos das contrações e a alegria de imaginar seu filho chegando, a ocitocina promove as contrações do útero. Quanto mais ocitocina, mais eficiência às contrações.
A força que invade o corpo da mulher quando o bebê está descendo, já coroando, é de uma intensidade descomunal. Há um desejo incontrolável de expelir, de expulsar, de morrer.
E aquela mulher vai morrer. O bebê, imerso e integrado no mundo uterino, que parecia ser o único, também vai morrer.
É preciso entregar-se à morte para renascer em vida. É uma explosão cheia de vida. É plena. É luz.
Nesse exato momento acontece uma profusão de registros na vida do ser que nasce.E aquela mulher vai morrer. O bebê, imerso e integrado no mundo uterino, que parecia ser o único, também vai morrer.
É preciso entregar-se à morte para renascer em vida. É uma explosão cheia de vida. É plena. É luz.
A mulher é inundada de ocitocina, exala amor e emoção. Mira o bebê nos olhos, beija-o.
Nasceu uma mãe.
O primeiro suspiro carregado de ar, o choque nos pulmões, o choro reativo e aflito são suavizados pelo primeiro olhar, o primeiro toque da mãe, o beijo na face, a luz suave, o som da voz, a expressão no rosto, o prazer do abraço.
Nasceu um bebê!
Nada deve atrapalhar os primeiros instantes de vida do bebê e da mãe.
Eles devem ficar o tempo que quiserem ali parados, cansados, ofegantes, recém-nascidos. Ambos registram ali suas primeiras impressões acerca da vida que se recriou.
Se não temos memória do estado intra-uterino, das contorções do parto, dos primeiros instantes de vida, nossos corpos e nossa psique inconsciente têm. Tudo o que se relaciona com o corpo a partir daí estará impregnado deste sentimento primordial em relação à vida, nossas experiências de dor e de prazer físicos, nossa capacidade de amar e até mesmo nossa morte.
O que é a vida? Perguntam-se ali mãe e filho, no instante primeiro? A resposta está dada, está ali, impregnando o corpo e a alma.
A vida é tudo o que se revela a partir dali. E este doce instante repleto de significado vai colorir todos os sucessivos começos das vidas que se seguem.
Daniela Buono
Jornalista, mãe de Maria Clara
danibuono@uol.com.br
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Daniela Buono
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